As vidas perigosas da filosofia no livro “Morrer por ideias”

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“Morrer por ideias – os filósofos e suas vidas perigosas”, lançado no final de 2020 pela Grua Livros.

O autor, Costica Bradatan, se formou em direito na Universidade de Bucareste, na sua Romênia natal, onde fez também o mestrado em filosofia. Depois, fez o doutorado em filosofia na Inglaterra, foi professor em algumas universidades da Europa até chegar nos EUA, onde é professor e pesquisador na Universidade de Tecnologia do Texas, conhecida lá como Texas Tech. O livro foi escrito originalmente em inglês e tem uma boa tradução feita por Bruno Gambarotto, que é mestre e doutor em Letras pela USP.

Acho que todo mundo conhece a história de Sócrates, o famoso filósofo grego que morreu 400 anos antes de Cristo. Apesar de não ter deixado nada escrito, Sócrates é considerado o fundador da filosofia ocidental e é conhecido pelo seu método de investigação, a maiêutica. O que Sócrates fazia era formular perguntas a seus alunos e fazer com que eles pensassem a partir das suas respostas, construindo assim o conhecimento que, em certa medida, já estava dentro dos próprios alunos. Sócrates era, em resumo, um parteiro de conhecimento. Aliás, a mãe dele era parteira e ele próprio comparou seu trabalho ao dela.

Acontece que muita gente que vivia na mesma Atenas de Sócrates não concordava com seus pensamentos. Muita gente ali o via como um contestador, afinal ele não ensinava definições prontas como faziam outros filósofos da sua época. Pelo contrário, ele fazia indagações, fazia perguntas para que seus alunos viessem a perceber que aquilo que eles sabiam sobre alguma coisa era apenas uma imagem daquela coisa, uma opinião daquela coisa, e que o que julgavam ser a verdade era, tão somente, um preconceito arraigado no modo de vida. Por isso, Sócrates foi acusado de corromper a mente dos jovens e acabou condenado à morte.

No ato final do seu julgamento, Sócrates poderia ter evitado a morte desde que suplicasse o perdão. Entretanto, ele diz: “o juiz não tem assento no tribunal para fazer da justiça um favor, mas para decidir o que é justo”.

E o que seria justo, para este juiz? Pelo método socrático, o ato justo é aquele que o juiz sabe ser justo – o juiz só precisaria indagar para si mesmo o que é a justiça de acordo com as leis. É assim que Sócrates morre pelas suas ideias.

Como diz o autor do livro: “a morte de Sócrates passou a fazer parte da definição da própria filosofia.”

E isso por quê? Porque ao morrerem defendendo suas ideias, ou seja, a filosofia que praticaram como modo vida, estes filósofos que não detêm nenhum poder concreto “desaparecem de vista e ao mesmo tempo se incorporam ao ar”.

Talvez a gente possa se lembrar aqui da frase de Getúlio Vargas em sua carta testamento: saio da vida para entrar na história. É isso: praticando sua filosofia como modo de vida, defendendo sua ideia com a própria vida, o filósofo se torna um mito que molda nossa visão de mundo.

Em outra passagem do livro (página 232), o autor escreve: “filosofar é agir sobre si mesmo, embarcar em uma jornada de autoconstrução. O filosofo vê a si mesmo como um projeto em cuja conclusão bem sucedida ele terá encontrado sua realização. O que os mártires-filósofos fazem é levar esse processo de individuação ao limite. Eles praticam a autoconstrução no mais improvável dos lugares: à beira do abismo. E é isso que torna seu projeto único. A performance da morte de um mártir é um clímax que poucos projetos de autoconstrução alcançam.”

Bom, este livro não é sobre a morte de Sócrates, aliás o livro não é nem mesmo sobre a morte, pelo contrário, ele é sobre a vida, sobre como o filósofo vive a sua vida. A filosofia e as ideias de um filósofo não se encerram nos seus escritos. Escrever é ensaiar, é apenas prepara-se. Mas filosofia é atuação. E é o que os filósofos fazem por suas ideias que os tornam imortais. Mais importante e mais duradouro que escrever é viver.


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Morrer por ideias

Costica Bradatan

Tradução de Bruno Gambarotto

Grua Livros, 2020 320 páginas

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