O senador morreu pela boca

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A gente fala e ouve falar das elites brasileiras. A elite de um país é formada pelas pessoas que têm alguma forma de influenciar as outras, o que pode se dar pela posição política, pela atuação profissional ou pela força econômica.

O mineiro Bernardo Pereira de Vasconcellos, era um membro da elite da época. Filho de um português e de uma brasileira, estudou no seminário de Mariana e formou-se em direito em Coimbra, de onde voltou afirmando, sobre si mesmo: “estudei Direito Público naquela Universidade e por fim saí um bárbaro: foi-me preciso até desaprender.” De volta ao seu país, foi jornalista, juiz e ministro. Exercendo mandato de senador, fez da tribuna do Senado o seguinte discurso:

“Eu estou convencido de que se tem apoderado da população do Rio de Janeiro um terror demasiado e que a epidemia não é tão danosa como se têm persuadido muitos. Talvez fosse mais conveniente que o governo não tivesse criado lazaretos e feito tanto escarcéu. Julgo até necessário que se institua um exame público a esse respeito, a fim de mostrar ao Brasil e ao mundo que não é a febre amarela o que reina hoje.”

Corria o Segundo Império e havia aparecido um vírus devastador causando febre amarela, que até então tinha manifestações esporádicas no Brasil. Mas naquele 1849, a coisa ficou feia.

Duas semanas depois do seu discurso, o senador Vasconcellos morreu. De febre amarela. Ele e outros quatro senadores. Estes cinco senadores e outros quatro mil habitantes do Rio de Janeiro, uma taxa de letalidade que equivaleria hoje a 130 mil cariocas – os óbitos por covid19 na cidade somam 25 mil em pouco mais de um ano.

A ignorância, a prepotência e a letalidade das escolhas das elites brasileiras não nasceu em 2018. Nem em 2002. Nem em 1964. Ela vem se constituindo desde sempre fundamentada na crença absoluta de que aqui nascemos em berço esplêndido e que por sermos este colosso que nada teme estamos destinados a um futuro de paz, espelho direto desta maravilha que somos no presente em decorrência das glórias do passado. Esta tautologia está na letra do Hino Nacional, que mal sabemos cantar direito, mas cuja simbologia se entranha nos nossos piores hábitos.

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O trecho do discurso do senador Vasconcellos está na página do Senado Federal.

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