Ações epistolares

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O último fim de semana nos trouxe dois textos importantes, sendo que um deles deu mais ibope do que outro.

Deu ibope a “carta dos economistas”, em que mais de 500 economistas, empresário e banqueiros pedem ações efetivas para combater a pandemia de coronavírus no país. A carta começa com um tapa na cara, afirmando que o Brasil é o epicentro da doença no mundo; sim, afirma, secamente, que é o epicentro, sem usar meias palavras e sem terceirizar a opinião. Eles poderiam ter escrito algo como ‘especialistas afirmam que’ ou então ‘dados de organizações internacionais indicam que’. Não, nada disso, a carta afirma que, na percepção destes economistas, destes empresários e destes banqueiros, o Brasil é o epicentro e que a situação é desoladora. E também foi clara ao acabar com a baboseira de que a economia não pode parar. A partir daí, a carta é genérica o bastante e educada o suficiente para ser endossada por toda esta multidão.

Acho que a carta acerta o alvo ao elencar as quatro ações necessárias para combater a pandemia: acelerar vacinação, usar máscaras, adotar distanciamento social e coordenação nacional para ação. Porém, “ah… porém…“, a carta escorrega em cobrar coordenação de quem é totalmente descoordenado. Economistas, empresários e banqueiros ainda tem expectativa de que este governo haja coordenadamente?

Sei que a hora não é para apontar o dedo e culpar o passado pelo presente. Sei que, hoje, mais vale um ex-bolsonarista arrependido do que dois espalhando fake news por aí. Sei que é esta a hora. Então não serei eu que cobrarei destes signatários que venham defender o estado brasileiro dos sucessivos ataques destruidores que estão em curso há dois anos, porque foi em favor disso que empresários e banqueiros, e muitos economistas, votaram em 2018. Não, eu não vou fazer esta cobrança, porque eu quero ajudar e somar esforços.

Apenas dois dias depois que a carta nasceu ela ja conta mais de 1500 assinaturas. O duro é que, apenas dois dias antes de ela ter sido publicada, uma pesquisa Datafolha mostrava que 50% dos empresários brasileiros defende acabar com o isolamento social e 55% aprova a ação do governo federal no combate à pandemia. Quais são os empresários da carta? E os da pesquisa? O que eles tem de diferente?

Quando esta turma dos empresários então se decidir, e se unir, porque o momento é de união, eles poderão ler o outro artigo que saiu também neste fim de semana, e ajudar a elevar seu ibope (merecidíssimo, aliás!), escrito pela Central Única das Favelas e pela Gerando Falcões, e clamando por comida, higiene e informação. O artigo também é muito claro, desde o seu título “Quando a favela fala, é melhor ouvir”, que os autores classificam como alerta e não como ameaça, até a sua última linha, “O pronto atendimento a essas demandas é suficiente apenas para nos mantermos com o nariz acima da linha da água”, um alerta claro de que a ameaça é premente.

Estas duas cartas precisam dar as mãos. As mãos que escreveram a primeira carta, mais os mil e quinhentos pares de mãos que a vem subscrevendo, devem ser estendidas e abertas em benefício das que pedem, antes que estas, fechadas em punhos, se voltem contra aquelas.

A leitura destes dois textos me remete à canção de Alceu Valença “FM Rebeldia”, de 1987:

Um dia desse eu tive um sonho

Que havia começado a grande guerra

Entre o morro e a cidade

Pantera Negra, FM Rebeldia

Transmitindo da Rocinha

Primeiro comunicado

O pão e circo e o poder da maioria

E o país bem poderia

Ter seu povo alimentado

Sim, poderia. Mas ao Fome Zero, empresários e banqueiros, e muitos economistas, optaram pelas arminhas; ante o Bolsa Família, empresários e banqueiros, e muitos economistas, preferiram o Bolsocaro; ao invés de renda mínima, empresários e banqueiros, e muitos economistas, abraçaram reformas que em tudo mexiam para deixar tudo como sempre esteve; e para se livrarem de mensalão e petrólão, empresários e banqueiros, e muitos economistas, foram com tudo no “trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil”.

Não há animador de auditório nem palestrante de frases feitas que possam dar novo significado à política quando o já célebre “andar de cima” demora um ano e 300 mil mortos para enxergar que este presidente e estes ministros não tem competência para governar um país.

Mas, como diz um grande amigo meu, antes tarde do que mais tarde. Eu espero que a carta dos economistas, empresários e banqueiros seja o primeiro passo de um grande acordo positivo e propositivo, começando pelo resgate dos abandonados. Se for isso, eu assino embaixo.

* * *

Leia a carta dos economistas, empresários e banqueiros: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/banqueiros-e-economistas-pedem-medidas-efetivas-de-combate-a-pandemia-em-carta-aberta.shtml?pwgt=l9ewuckt6snxxvr3v8k89xxgu2ienk8acbltcpt065gtdq0y&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift

E não deixe de ler o artigo dos organizadores da Central Única das Favelas e do Gerando Falcões: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/03/quando-a-favela-fala-e-melhor-ouvir.shtml?pwgt=kza63d9mcto6k0fj855ot8h1joow0zyng1x9skqbz1vgaayq&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift

Se quiser dar uma espiada nos dados consolidados sobre a pesquisa do Datafolha, eles podem ser acessados aqui: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2021/03/50-dos-empresarios-defendem-fim-do-isolamento-diz-datafolha.shtml

E ouça a canção de Alceu Valença: https://www.youtube.com/watch?v=OgEJSteJXPA

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