Jair Bolsonaro ganhou a eleição e será o próximo presidente do Brasil.
Ao longo dos últimos meses, eu me fiei nos analistas políticos de sempre para tentar entender o que acontecia com uma campanha eleitoral esdrúxula e atípica. Esta última semana mostrou que eles estavam todos errados.
Desde 1985 que ser de direita era feio no Brasil. Culpa dos militares. Isso fez com que durante quase 40 anos todo mundo fosse de esquerda, havendo até esquerda festiva e esquerda caviar. Mas aí um dia a esquerda (proletária, sindicalista, universitária, festiva e caviar) ganhou as eleições de mãos dadas com o patronato industrial que toma dinheiro no banco público, capitaliza o lucro e socializa o prejuízo. Esse grupo, ainda se achando ‘de esquerda’, governou como sempre se governou no Brasil, lambuzando-se na doçura do melado e provocando uma pororoca de revolta. Anti-petismo, sim, existente desde o nascimento do partido, desde quando o petismo era insignificante a ponto de não assinar a Constituição de 1988 ou ser contra o Plano Real de 1994 e isso não fazer diferença nenhuma. Não fez diferença nem em termos de coerência, porque para ganhar as eleições o partido esqueceu tudo o que havia escrito antes.
Eu era jovem quando o PT era oposição. Quando ganhou as eleições, eu já tinha tomado algumas dessas invertidas que nos acontecem na vida adulta. E quando o PT sai de cena, com Lula preso, eu já sou quase um cinquentinha. É duro: não dá mais para ter ilusões e pesa enormemente ver que entra década sai década e os homens continuam mesquinhos. Um dia, garoto, perguntei para minha mãe se havia alguma coisa ruim em começar a ficar velho. Ela respondeu que havia uma só: perder a confiança nas pessoas por sucessivas desilusões. Os governos do PT fizeram o que devia ter sido feito na área social. E fizeram as mesmas bobagens dos limitares da ditadura de 1964 na área econômica. Desilusão – “eu entendo disso”.
O que os comentaristas erraram: tudo. Erraram ao valorizar: o tempo de TV de Alckmin, a paciência de Marina, a sagacidade de Ciro, a estratégia de Lula. Erraram ao condenar: o sumiço de Marina, a incontinência verbal de Ciro, a pasmaceira de Alckmin, a estratégia de Lula. Porque nada disso teria feito diferença, como de fato não fez. Esta campanha foi quase toda errada: Lula errou o tempo inteiro (ainda que tenha feito 52 deputados federais e 4 governadores, à custa de fazer também um presidente…); Ciro e Marina erraram ao devolver ao PT as vilanias de que foram vítimas em 2014 e 2018; o TSE errou em subestimar o WhatsApp e as fake news; Haddad errou em aceitar ser um poste. Eu errei em ter esperança. Só o Bolsonaro acertou ao ser anti-PT até a medula, mesmo enganando seus eleitores com um discurso vendendo facilidades irrealizáveis.
Agora, falamos do brasileiro facista. Que os há, não duvido. Mas não foram eles que ganharam a eleição. Os que ganharam a eleição foram os brasileiros que desde sempre foram de direita mas não podiam se afirmar como sendo de direita, ou porque estavam preocupados em ganharem a vida ou porque estavam preocupados em não serem mal vistos. Ganharam, mas como diria Dilma, não ganharam porque quem ganhou não ganhou; perdemos todos. Perdemos 50 anos ao votarmos olhando no retrovisor tentando opor direita e esquerda, dois conceitos dicotômicos que não dão mais conta do nosso mundo e que nos seus embates atrasam as ações que precisam ser tomadas. Voltamos praticamente a 1961, elegendo novamente um Jânio Quadros, cujo lema era o combate a corrupção e seu jingle cantava:
Varre, varre, varre vassourinha! / Varre, varre a bandalheira! / Que o povo já ‘tá cansado / De sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado! / Jânio Quadros é a certeza de um Brasil, moralizado! / Alerta, meu irmão! / Vassoura, conterrâneo! / Vamos vencer com Jânio!
E o que fez Jânio? Proibiu o biquini, as brigas de galo e o lança-perfume. A vassoura anti-corrupção parou nas medidas moralistas. Voltando então 55 ou 57 anos no passado, o que eu acho que pode acontecer daqui para frente? Acho que pode acontece muita coisa ruim. Não tenho nenhuma expectativa de que Bolsonaro vá combater a corrupção. Seguramente, combaterá a corrupção dos rivais e adversários. Não tenho nenhuma expectativa de que Bolsonaro vá ajustar a economia. Visto que ele tantas vezes afirmou que nada entende deste assunto, ficará à mercê das opiniões de seu grupo, que vem mostrando mais bater cabeça do que afinar-se numa nota só. Presidente que não tem claro o que quer fazer, não faz nada, porque ora ouve um, ora ouve outro, decide conforme um terceiro. Além desta ignorância assumida em rede de TV, Bolsonaro não mexerá na Previdência. O mercado, esta sumidade em idiotice, grita todo dia que sem reforma da Previdência a economia não se ajeita. Como poderá mexer na Previdência um ex-militar eleito com apoio dos militares, com um Congresso onde cresceu o número de deputados diretamente ligados ao funcionalismo público, se o que ferra as contas da Previdência são justamente as pensões e aposentadorias dos militares e dos funcionários públicos?
Imagino que Bolsonaro vá jogar para a sua torcida rapidamente, agindo no que é fácil: facilitar o acesso às armas de fogo, banir políticas identitárias, mudar o currículo escolar, dar mais força às polícias militares. Facilmente encontrará o seu biquini, a sua briga de galo, o seu lança-perfume. Será fácil, mas será inócuo, porque são medidas que atormentam a nossa vida cotidiana e não resolvem os problemas do país. Mas ele acha que sim, o que comprova a falta de visão de estado que ele tem.
Se não der certo na economia, Bolsonaro não completa o mandato. Quarenta por cento dos eleitores votaram contra, uma outra grande parcela votou a favor por exclusão, e não por adesão. Quando esta turma estiver descontente e se manifestar, o futuro presidente toma um golpe dos seus generais. Pra quê os generais vão ficar vendo a imagem do Exército ser denegrida na praça? Não se pode dizer que não foi o Exército que ganhou a eleição, nem que não é o Exército que vai governar. Mesmo tendo reformado há 30 anos, Bolsonaro se elegeu desde sempre evocando o Exército.
Hoje, 29/10/2018, eu vou dormir com um forte receio de que posso ter votado para presidente ontem e não o farei novamente no futuro próximo. Se no meio do sono fizerem barulho lá fora ou mexerem na porta, por favor, chame o ladrão.
Brilhante! Preciso e contundente. Estamos avançando para o atraso. Dentro das trevas que se anunciam não podemos perder a esperança, ainda que não saibamos como. Talvez chamando o ladrão.
Parabéns, Adauto.
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