Vida: saudade e alimento.

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O que é vida?

No dicionário, é a propriedade que caracteriza os organismos cuja existência evolui do nascimento até a morte. A chave desta definição está no evoluir, no passar gradativamente por processos de transformação. Viver é transformar-se até morrer; morrer é ainda um ato de evolução e um paciente doente pode evoluir a óbito. Transformar-se não inclui juízo de valor, a transformação apenas acontece, não importando se boa ou má, positiva ou negativa.

Na filosofia, um dos principais atributos de vida é a espontaneidade com que os seres vivos fazem o que devem fazer, independentes das coisas externas. Platão e Aristóteles identificam a ligação entre vida e alma pois na alma estariam a capacidade e a potência que movem as ações da vida. Também São Tomás de Aquino vê na alma o princípio capaz de fazer um ser vivo tomar uma ação. Talvez tudo fosse mais fácil se Descartes não tivesse pensado, e por isso existido, e portanto concluído que o mecanicismo separa alma e vida – vida é movimento, um robô se movimenta, logo um robô vive. #SQN.

Não vamos de silogismos aristotélicos quando estamos já nos tempos da racionalidade. A organização físico-química de um organismo permite que nele seja enxergado vida, mas não vitalismo. Assim, a vida não é só organização de matéria reproduzível em laboratório, e sim esta organização e mais um plano providencial que lhe dê sentido e direção. Há uma extensa linha de filósofos para os quais a vida não existe sem a criação divina. Mas tão insondáveis são os desígnios divinos que mesmo entre os filósofos – da academia ou do botequim – há os ateus e agnósticos para quem a ciência pode, um dia, vir a  criar vida em laboratório. Talvez demore uma eternidade, mas seria a liberdade, ainda que à tardinha…

Liberdade porque poderíamos recriar a vida e reviver quem morreu. Teríamos para sempre a companhia de um cão amigo, de um familiar querido, de um artista preferido. E esta liberdade nos acorrentaria ao passado, que nunca sairia do presente. Tendo ao nosso lado aquele que já viveu todo o seu processo de transformação, estaríamos atados à espera de mais uma transformação, afinal ele ainda estaria vivo. E esta espera não nos permitiria viver. Vivendo livres, seríamos escravos de quem não foi deixado morrer.

Depois que nascemos só temos a certeza da morte. Ela virá, impávida, tranquila e infalível, como Muhammad Ali ou Bruce Lee. Então, se morreremos, por que vivemos?

Vivemos para experimentar a transformação, o processo e o caminho. Podemos ser platônicos, aristotélicos, escolásticos, cartesianos; podemos ser crentes ou descrentes; nada impede a nossa transformação e a nossa vida. Somos semoventes e vivemos, entre o nascimento e a morte, uma contínua evolução, ora boa, ora ruim, a cada momento nos deixando um pouco melhores ou um pouco piores do antes. Não é fácil. “Viver é perigoso”. E isso tudo pra quê?

Para deixarmos a saudade, húmus para os próximos.

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