Pesquisa entranha com gente esquisita

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O Datafolha fez uma pesquisa que a Folha de S. Paulo vem soltando a conta-gotas, uma clara e batida estratégia para ter pauta todo dia. Segundo essa pesquisa, pelo que li ontem e hoje, ficamos sabendo que, entre os brasileiros:

  • 71% concorda que assuntos políticos devam ser tratados nas escolas;
  • 54% concorda que educação sexual deva ser abordada nas escolas;
  • 61% é contra privatizações de empresas estatais;
  • 57% discorda que é preciso menos leis trabalhistas; e
  • 50% discorda que as mulheres devam ganhar salários menores que os homens.

Fica mais esquisita a pesquisa quando se vê que, dos que declararam ter votado em Bolsonaro em 2018, pouco mais de 40% concordam que a educação sexual e pouco mais de 60% concordam que assuntos políticos sejam temas a ser tratados nas escolas.

Comparando esses resultados com os resultados das urnas de dois meses atrás, fica a dúvida se se tratam dos mesmos brasileiros. Bolsonaro se elegeu propondo o exato contrário do que a maioria deseja (de novo, segundo a pesquisa recente do Datafolha).

Da mesma forma, parece que eram outros brasileiros os entrevistados nas pesquisas de intenção de voto antes das eleições de outubro de 2018. Ainda que as pesquisas indicassem clara preferência por Bolsonaro, nenhuma delas nem de perto indicou que a vantagem seria tão grande.

Durante os quase 25 em que venho trabalhando com pesquisa de mercado e com pesquisa de opinião, foram incontáveis as vezes em que o entrevistado confirmou uma percepção muito comum entre os pesquisadores: a de que o brasileiro é condescendente da boca pra fora, em frente a alguém que lhe pergunte alguma coisa, mas quando está sozinho no seu ato ele pune o que elogiou antes. No momento da pesquisa, o entrevistado age querendo agradar o entrevistador, e com isso costuma dar respostas mais positivas e menos criticas, mas no momento da compra, ele pune o produto que havia elogiado antes. Vale o mesmo para os momentos da pesquisa de intenção de voto e da confirmação do voto na urna.

Estranha gente essa que diz uma coisa na pesquisa e faz outra na urna eletrônica ou na gôndola do supermercado.

É muito difícil fazer pesquisa de opinião pública no Brasil. Somos um país de ignorantes, onde os que mais sabem sabem menos do que os sabidos dos outros países. Somos um país de baixos resultados em produtividade, inovação, invenção, testes matemáticos, conhecimento da própria língua. Claro que isso vale para a média, pois nos extremos temos aqueles que se destacam internacionalmente e temos os que não entendem o que lêem. É muito fácil encontrar no Facebook posts dizendo que o brasileiro tem que ser estudado pela Nasa, valorizando a nossa criatividade, quando no fundo esta criatividade está sendo usada majoritariamente para bobagens do dia a dia – do mesmo modo que o Brasil costuma ter um alto índice de uso da internet mas só navega nas redes sociais, postando justamente um monte de bobagens.

As pessoas normalmente não entendem o que lhes é perguntado e respondem qualquer coisa rapidamente para ‘ajudar’ o entrevistador, para se livrarem dele rapidamente ou para mostrarem que entenderam aquilo que não entenderam.

Tendo visto isso acontecer inúmeras vezes, não só entre aqueles que deveriam ser entrevistados, mas com muita frequência entre aqueles que encomendavam a pesquisa (uma pessoa formada, geralmente falante de outra língua, empregada de grande empresa multinacional), não me espanta essa esquisitice de resultados. Votam num candidato que afirma que mulher tem que ganhar menos quando discordam disso; elegem um presidente que quer privatizar estatais e reduzir direitos trabalhistas quando querem justamente um bom emprego no governo para não serem demitidos; aplaudem um candidato que diz que vai acabar com a ideologia na sala de aula ao mesmo tempo que acham que a sala de aula é um bom lugar para se discutir ideologias.

Mais complicada ainda fica a situação do pesquisador quando os governantes se mostram confusos sobre conceitos genéricos – quando não os deturpam deliberadamente. Dois exemplos dos últimos dias: Onix Lorenzoni quer “despetizar” um ministério ocupado há três anos pelo MDB; Bolsonaro se preocupa com a Boeing vender 20% da Embraer pois considera esses 20% como sendo “patrimônio nosso” após 24 anos da privatização. Pois se nem os eleitos distinguem corretamente os conceitos, pior ainda fica a compreensão por parte dos eleitores.

O que o brasileiro quer, afinal? Eu não sei, mas não desisti de tentar entender.

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Seguem os links para matérias com os resultados das pesquisas citadas:

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/01/maioria-no-pais-defende-educacao-sexual-e-discussao-sobre-politica-nas-escolas.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/01/brasileiro-rejeita-privatizacao-diz-datafolha.shtml

 

 

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