Leio que o Hotel Novo Mundo vai fechar. Eu não sabia, mas o hotel, no bairro do Flamengo, ao lado do Palácio do Catete, hospedou o time do Santos F.C. no jogo em que Pelé marcou seu milésimo gol, em novembro de 1969. Eu ainda não era nascido, mas estava sendo gestado – Pelé marcava um gol, o dedicava às criancinhas do Brasil, e eu, no bem bom do conforto uterino, talvez desse chutes na barriga da minha mãe.
O hotel é quase um personagem do romance ‘Quase Memória’, de Carlos Heitor Cony. No romance, o personagem principal passa por um momento crucial enquanto hospedado no hotel: ao chegar e passar pela recepção, o funcionário lhe entrega um pacote deixado por alguém que não se identificara; o pacote é um embrulho à moda antiga, papel pardo amarrado com barbante; com o pacote nas mãos, o personagem reconhece o jeito de seu pai em fazer a amarração; ao reconhecer, a memória voa. O livro é bom.
Não só para o personagem de Cony, mas também para mim o Hotel Novo Mundo foi palco de um episódio inesquecível.
Era um período em que eu ia ao Rio de Janeiro a trabalho com alguma regularidade, e o Novo Mundo, já plenamente decadente oferecia excelente localização e pernoite mais que decente a um preço dentro do meu orçamento.
Certa sexta-feira, o meu trabalho acabou tarde, não havia mais vôos para eu voltar para casa. Jantei, tomei uma cerveja e dormi tranquilo.
Na madrugada, acordei ouvido o que parecia ser uma briga num dos apartamentos próximos ao meu. Uma voz masculina brigava com uma mulher, falava alto, parava, gritava alguma coisa de novo. Liguei na recepção, reclamei e sugeri que eles devessem bater na porta, oferecer alguma ajuda. Eles disseram que outros hóspedes haviam reclamado e eles já tinham ligado no apartamento, que era abaixo do meu.
Pouco tempo depois, a gritaria começou, eu só ouvia a voz dele, nunca a dela. Será que a mulher não estava no apartamento? Será que ele falava ao telefone? Ou pela janela? Por que ela não rebatia nada do que ele dizia? Ele claramente xingava e culpava a mulher. Será que ela estava amordaçada? Amarrada? Fiquei assustado.
E mais medo senti quando ouvi três disparos de arma de fogo. Corri para o banheiro e me escondi dentro do boxe do chuveiro, formado por três paredes de cimento, num canto do banheiro, o lugar mais distante de janela que havia naquele apartamento. Reunindo um coragem e controlando as pernas quase bambas, saí do boxe e alcancei o telefone – sempre pensei que os hotéis tem telefones nos banheiros para emergências de hóspedes sozinhos. Era uma emergência.
_ Ouvi tiros, chamem a polícia, vão até o quarto!
Não demorou para eu ouvir sirenes e logo ouvi conversas no quarto abaixo, a situação parecia ter acalmado. O sol nascia, olhei o relógio e decidi que o melhor era fazer o check out e seguir para o aeroporto. Ao acertar a conta, fui informado que era um policial rodoviário federal que entrara em surto, sozinho no quarto, e atirara contra a porta. Na rua, antes de entrar no taxi, vi as viaturas da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Militar e da Polícia Civil.
Uma semana depois, eu estava de novo no Rio de Janeiro. E de novo no mesmo hotel. A recepcionista me reconheceu, me entregou a chave e quando eu virei as costas ouvi seu comentário com o colega:
_ Achei que esse aí nunca fosse voltar aqui. Deve gostar do hotel.